quinta-feira, janeiro 04, 2007



O lodaçal de macadame

Esquina. Augusta? Não sei! Tenho a ligeira impressão de que as ruas de asfalto são universais: Um pouco de macadame e matéria abrupta tanto em Praga quanto em Bogotá, tanto faz. Bueiros purulentos lançam murmúrios dos fétidos animais transeuntes das galerias decrépitas. Algo distingue esta esquina das outras, é fato. Aqui, a consonância das prostitutas e mendigos, dos traficantes e ruídos, substancia-se, invariavelmente, numa romântica paisagem regada a belos devaneios de um blues-samba choroso na opereta de um velho tango prosaico. Pero, “tell me the way to the next whiskey bar”, little-boy. Agarro-me às pregas da calça dum garoto miúdo, raquítico, de ares cadavéricos.. Grito-lhe ao pé do ouvido: - O caos: desordem da criação minha pequena reprodução de Citera! O olhar do little-boy desconstrói a minha fala. Argumento não é necessário, o caos olha para suas pútridas vítimas e indica-lhes o próximo carango que passará a 130 por hora. Os veículos reproduzem uma fascinação cinzenta, a eterna busca do cinza, os acordes da paleta cromática cinza, a fumaça bela, trágica e cinza é expelida das nossas tripas em combustão. Verborragia não é mais necessária, pois o futuro é cinza nas previsões de uma bichona falsa-vidente. O cinza provém das calças arriadas deste miúdo little-boy, assim como a flatulência contínua do monóxido de carbono provém dos locomotores ultrajantes.
– Jantemos o cinza, disse a ele. Em nosso último suspiro, traguemos com torpor a fumaça do escapamento do veículo que, derradeiramente, assolará nossas cabeças.
Agarro-me ao seu acanhado corpo e suas roupas rasgadas roçam minha mão. Ele, sem entender, desfere uma cusparada cinza em minha orelha. Abruptamente seguro-o e num desenlace guio-nos para o primeiro carro que desatinou a cortar este conto. Eu ainda tenho tempo de tragar nossas tripas em combustão. Ele não.




Tomi Eslavo, o cinzento